Financiamento Climático na Argentina: Tendências Recentes e Implicações da Retirada da COP29

Por Andressa Lima (UFPA/CFC-GS)

O financiamento climático tem se tornado um dos pilares fundamentais da agenda ambiental global, e no caso da Argentina, esse tema assume contornos especialmente estratégicos diante das vulnerabilidades socioeconômicas e climáticas do país. De modo geral, o financiamento climático se refere a fluxos financeiros – públicos ou privados – direcionados a ações de mitigação das emissões de gases de efeito estufa ou de adaptação aos impactos das mudanças climáticas. O país, como signatário do Acordo de Paris, tem buscado acessar diferentes fontes de recursos, no entanto, a trajetória recente da Argentina revela não apenas avanços relevantes no volume de recursos mobilizados, mas também entraves institucionais e decisões políticas que têm prejudicado sua capacidade de permanecer como ator relevante nos espaços de governança climática internacional.

Gráfico 1: Total de financiamento Climático para a Argentina de 2016 a 2023

Elaboração própria, a partir de dados do sistema OECD CRS – Climate-related Development Finance. Disponível no Tracker de Financiamento Climático do CFC-GS.

Entre 2016 e 2023, a Argentina acumulou um total considerável de financiamento climático. De acordo com dados gráficos analisados, o país recebeu cerca de US$ 450 milhões em 2016, valor que saltou para mais de US$ 2,3 bilhões em 2017. Após uma queda gradual entre 2018 e 2020 – com um mínimo de US$ 580 milhões em 2020 – houve uma retomada expressiva a partir de 2021, culminando em um pico de US$ 2,67 bilhões em 2022 e um total de US$ 2,16 bilhões em 2023. Esses valores indicam que, mesmo com oscilações, a Argentina foi relativamente bem-sucedida em captar recursos climáticos ao longo do período.

Gráfico 2 : Financiamento Climático por Tipo de Intervenção para a Argentina

Elaboração própria, a partir de dados do sistema OECD CRS – Climate-related Development Finance. Disponível no Tracker de Financiamento Climático do CFC-GS.

A análise por tipo de intervenção revela que, ao longo da série histórica, a mitigação foi o principal destino do financiamento climático internacional recebido pela Argentina. Em 2017, por exemplo, os aportes para mitigação superaram US$ 1,2 bilhão, representando a maior parte do total recebido naquele ano. Esse padrão se repete com destaque em 2022, quando os recursos para mitigação ultrapassaram US$ 2,29 bilhões — valor significativamente maior que os destinados à adaptação (cerca de US$ 1,1 bilhão) e à sobreposição (aproximadamente US$ 727 milhões). Ainda que a adaptação tenha apresentado crescimento relativo entre 2020 e 2023, ela permaneceu secundária em termos absolutos. A predominância da mitigação é coerente com a priorização de projetos de transição energética e redução de emissões, embora a crescente vulnerabilidade da Argentina a eventos climáticos extremos reforce a urgência de ampliar os investimentos em adaptação, especialmente no fortalecimento de sistemas de saúde, agricultura resiliente, infraestrutura hídrica e proteção de comunidades vulneráveis.

Apesar desses avanços, a conjuntura recente impôs novos desafios à trajetória da Argentina no cenário do financiamento climático. Em novembro de 2024, o governo do presidente Javier Milei decidiu retirar a delegação oficial argentina da Conferência das Partes da ONU sobre Mudanças Climáticas, a COP29, realizada em Baku, Azerbaijão. Essa conferência era considerada estratégica porque tratava da chamada “Nova Meta Quantificada Coletiva” (NCQG), que prevê a triplicação dos fluxos de financiamento climático internacional: dos US$ 100 bilhões anuais prometidos até 2025, a meta passa a ser de US$ 300 bilhões anuais até 2030, com uma ambição futura de US$ 1,3 trilhão até 2035. A retirada argentina não apenas excluiu o país da rodada de negociações mais importante sobre finanças climáticas da última década, como também gerou forte reação de setores da sociedade civil, especialistas, diplomatas e governos locais.

Matérias como as do ElDiarioAR1 destacaram que a decisão do governo argentino de retirar sua delegação da COP29 representa um retrocesso profundo na capacidade do país de influenciar decisões globais com impacto direto sobre seu futuro climático e seu desenvolvimento. Como apontou a especialista em política climática Stephanie Cabovianco, essa escolha “não só nos isola internacionalmente, mas também limita nossa capacidade de acessar financiamento climático em condições justas, algo essencial para um país em desenvolvimento como o nosso”. A medida excluiu a Argentina das negociações vinculativas que definirão critérios de acesso a recursos, justamente em uma conferência considerada a “COP das finanças”, dedicada à nova meta global de financiamento climático. Bruno Sirote, da organização Jóvenes por el Clima, reforçou que “há um trilhão e meio de dólares em jogo” e que o país, ao se retirar, está deixando passar decisões cruciais que serão obrigatórias para todos os signatários do Acordo de Paris. Para especialistas e organizações, a ausência envia um sinal preocupante sobre o novo alinhamento ideológico do governo argentino e suas prioridades internacionais, comprometendo não apenas o acesso a recursos vitais, mas também a soberania do país sobre escolhas estratégicas para o enfrentamento da crise climática.

A decisão do governo argentino de retirar sua delegação da COP29 interrompeu quase três décadas de participação ativa do país nas negociações climáticas internacionais e foi classificada pela Fundación Ambiente y Recursos Naturales (FARN)2 como uma medida sem precedentes, com consequências significativas para sua posição global. A ausência ocorre justamente em uma conferência decisiva, voltada à definição de uma nova meta coletiva de financiamento climático, na qual se espera que os países do Norte Global assumam compromissos concretos para apoiar financeiramente os países do Sul Global — como a Argentina — na adaptação aos impactos crescentes das mudanças climáticas e na prevenção de perdas irreversíveis. Segundo a FARN, ao se ausentar desse espaço, a Argentina enfraquece sua credibilidade internacional, reduz sua capacidade de disputar recursos multilaterais em condições justas e rompe com uma tradição diplomática que sempre buscou garantir que as necessidades e circunstâncias específicas do Sul Global fossem ouvidas e consideradas nas decisões internacionais.

Paralelamente à saída da esfera federal, governos subnacionais argentinos protagonizaram um movimento sem precedentes para manter o país engajado na agenda climática internacional. Durante a Conferência Internacional do Clima (CCI25)3, realizada em julho de 2025 em Córdoba, os governadores de seis províncias — Santa Fe, La Pampa, Jujuy, Chubut, Córdoba e Entre Ríos — assinaram oficialmente um Compromisso Regional que estabelece um roteiro comum rumo à COP30 em Belém. A esse grupo somaram-se autoridades ambientais de outras 15 províncias e da Cidade de Buenos Aires, formando uma aliança subnacional robusta diante do afastamento do governo nacional das negociações multilaterais. O documento estabelece prioridades como fortalecimento da governança multinível, financiamento climático justo, proteção da biodiversidade e promoção da justiça climática e da equidade territorial. Organizada pelo governo de Córdoba e coorganizada por redes como o ICLEI América do Sul, a CCI25 marcou a consolidação dos governos locais como protagonistas na agenda climática regional, reforçando que, na ausência de coordenação federal, serão as províncias argentinas que representarão o país nas próximas negociações globais.

Essa dinâmica evidencia que o financiamento climático deixou de ser uma agenda apenas ambiental ou diplomática e passou a ocupar o centro das estratégias de desenvolvimento. Com um território altamente diverso e exposto a múltiplos riscos climáticos, a Argentina necessita desses recursos para garantir segurança hídrica, energética e alimentar, além de fomentar empregos verdes e tecnologias limpas. No entanto, o acesso a esses fundos requer mais do que a assinatura de acordos: exige estabilidade institucional, capacidade técnica, estrutura de governança e, sobretudo, presença ativa nas mesas de negociação internacionais. A experiência dos últimos anos demonstra que apenas uma atuação articulada, consistente e comprometida — envolvendo todos os níveis de governo — permitirá que a Argentina siga acessando, de forma legítima e estratégica, os mecanismos de financiamento climático internacional.

Com a COP30 marcada para acontecer em Belém do Pará, o país tem uma nova chance de reposicionar-se. A retomada do protagonismo climático dependerá da capacidade de reconstruir consensos internos e fortalecer a atuação federativa em torno de compromissos sustentáveis e inclusivos. Deixar passar essa oportunidade pode não apenas comprometer o acesso da Argentina a recursos financeiros estratégicos, mas também isolá-la em um contexto internacional em direção à transição ecológica.

  1. ElDiarioAR. COP29 sin representación Argentina: “Limita nuestra posibilidad de acceder a financiamiento climático en condiciones justas”. Disponível em: https://www.eldiarioar.com/sociedad/medio-ambiente/cop29-representacion-argentina-limita-posibilidad-acceder-financiamiento-climatico-condiciones-justas_1_11826168.html. ↩︎
  2. Fundación Ambiente y Recursos Naturales (FARN). Argentina se fue de la COP29 abandonando oportunidades de financiamiento para abordar la crisis climática. Disponível em: https://farn.org.ar/argentina-se-fue-de-la-cop29-abandonando-oportunidades-de-financiamiento-para-abordar-la-crisis-climatica/. ↩︎
  3. ICLEI. Thanks to regional commitments, Argentina will not “disappear from the climate agenda”. Disponível em: https://iclei.org/news/ahead-of-cop30-subnational-governments-in-argentina-make-their-case-for-multilevel-climate-action-with-bold-regional-commitment/. ↩︎

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