Financiamento Climático no Brasil (2014–2023): Evolução, destino dos recursos e instrumentos financeiros

Por Andressa Lima (UFPA/ CFC-GS)

O financiamento climático é um dos principais instrumentos para viabilizar a transição para uma economia de baixo carbono e resiliente aos impactos da crise climática. Desde a assinatura do Acordo de Paris, em 2015, a mobilização de recursos financeiros tornou-se tema central nas Conferências das Partes (COPs), que, ano após ano, buscam alinhar compromissos globais de redução de emissões com a necessidade de garantir meios para que países em desenvolvimento possam implementar suas metas. Nesse cenário, o Brasil ocupa uma posição estratégica: é um país de grande biodiversidade, com vastos recursos naturais e papel decisivo no combate ao desmatamento e na preservação da Amazônia, fatores que o colocam no centro das negociações internacionais.

Entre 2014 e 2023, o Brasil viveu uma trajetória marcada por avanços e recuos no financiamento climático, refletindo tanto mudanças internas quanto a dinâmica das negociações globais. O período revela oscilações importantes no volume de recursos recebidos, além de alterações no perfil de alocação e nos instrumentos financeiros utilizados. Analisar essa trajetória é essencial não apenas para compreender os caminhos já percorridos, mas também para antecipar os desafios e oportunidades que se colocam diante do país em um momento em que a agenda climática internacional ganha ainda mais relevância, especialmente com a realização da COP30 em Belém, no coração da Amazônia, em 2025.

Elaboração própria, a partir de dados do sistema OECD CRS – Climate-related Development Finance. Disponível no Tracker de Financiamento Climático do CFC-GS.

Entre 2014 e 2023, o Brasil passou por fases distintas no acesso a recursos climáticos. Em 2014, o volume recebido foi de US$ 1,7 bilhão, mas caiu drasticamente no ano seguinte para apenas US$ 760 milhões. A partir de 2016, iniciou-se uma recuperação, atingindo patamares próximos a US$ 2,8 bilhões em 2018 e 2019, valores que se mantiveram até 2020. O ano de 2021 trouxe nova queda para US$ 1,54 bilhão, mas a partir daí houve retomada vigorosa, culminando em 2023 com o recorde de US$ 3,29 bilhões. Essa trajetória revela que, embora sujeita a oscilações, a tendência geral foi de crescimento, com destaque para o fortalecimento mais recente do financiamento climático ao país.

Elaboração própria, a partir de dados do sistema OECD CRS – Climate-related Development Finance. Disponível no Tracker de Financiamento Climático do CFC-GS.

Ao observar a destinação dos recursos, nota-se uma clara predominância da mitigação, voltada principalmente para ações de redução de emissões. Em 2018, 2022 e 2023, essa categoria superou a marca de US$ 2,5 bilhões, consolidando-se como a prioridade dos financiadores. A adaptação, embora menos expressiva, ganhou peso a partir de 2017, com destaque para 2020 e 2023, quando ultrapassou US$ 1,1 bilhão, sinalizando maior reconhecimento da vulnerabilidade brasileira a eventos climáticos extremos. Já os recursos classificados como sobreposição, que combinam adaptação e mitigação, permaneceram em níveis mais baixos, mas cresceram de forma consistente, atingindo US$ 510 milhões em 2023. Esses dados mostram que, embora mitigar emissões continue sendo central, há uma diversificação crescente do financiamento em direção à resiliência climática.

Elaboração própria, a partir de dados do sistema OECD CRS – Climate-related Development Finance. Disponível no Tracker de Financiamento Climático do CFC-GS.

No que se refere aos instrumentos financeiros, o Brasil depende majoritariamente de empréstimos, que responderam por mais de 85% do total na maior parte da série, chegando a 92% em 2018. Esse padrão indica que o financiamento climático no país ocorre sobretudo via endividamento, o que limita a flexibilidade dos investimentos. As doações, que tiveram algum peso relativo em 2014, 2015 e 2017, perderam espaço e se mantiveram residuais nos anos seguintes. A partir de 2020, aparece também o recurso via participação (equity), ainda tímido, mas que aponta para um movimento de maior presença do setor privado. Essa predominância de empréstimos sugere a necessidade de buscar maior equilíbrio entre instrumentos, de modo a reduzir a dependência do crédito e estimular mecanismos mais inovadores e inclusivos.

A análise do período 2014–2023 mostra que o Brasil conseguiu ampliar significativamente os valores recebidos em financiamento climático, consolidando-se como um dos principais destinos entre países em desenvolvimento. Contudo, o perfil desses recursos ainda traz desafios importantes: a dependência de empréstimos, a concentração em mitigação em detrimento da adaptação e o baixo peso das doações. O futuro do financiamento climático no Brasil dependerá não apenas da expansão dos montantes, mas também da diversificação de fontes e instrumentos e da capacidade de alinhar os investimentos às necessidades sociais, ambientais e econômicas do país.

Essa trajetória é especialmente relevante diante da COP30, que será realizada em Belém, no coração da Amazônia, em 2025. O evento colocará o Brasil no centro das negociações internacionais sobre clima e trará consigo a expectativa de maior protagonismo na definição das regras e no acesso ao financiamento. O histórico recente evidencia avanços, mas também revela lacunas que precisam ser enfrentadas: como atrair mais doações, como fortalecer mecanismos de adaptação diante da vulnerabilidade amazônica e como garantir que o financiamento climático chegue a estados e municípios. A COP30 será, portanto, uma oportunidade única para o Brasil mostrar ao mundo não apenas sua importância estratégica, mas também sua capacidade de liderar pelo exemplo, articulando crescimento econômico, justiça social e proteção ambiental em uma trajetória de longo prazo.

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