Por Douglas Alencar (UFPA/CFC-GS)
A distribuição dos recursos do Fundo Constitucional de Financiamento do Norte (FNO) desempenha um papel estratégico no desenvolvimento regional da Amazônia Legal. Criado com o objetivo de reduzir desigualdades regionais e estimular atividades econômicas sustentáveis, o FNO deveria, em tese, promover investimentos alinhados à conservação ambiental e à inclusão social. No entanto, dados recentes indicam uma forte concentração de recursos em setores específicos, especialmente na agropecuária. Este texto apresenta reflexões baseadas na dissertação de mestrado de Álvaro Marcelino Nunes, que investigou o uso do FNO e suas implicações ambientais. A partir de um gráfico que sintetiza as principais linhas de financiamento contratadas em 2019, discutem-se hipóteses sobre os fatores que influenciam a atual configuração do fundo, com destaque para os possíveis efeitos da legislação financeira, da lógica operacional dos agentes de crédito e da influência política de determinados setores econômicos.
Recentemente, participei da banca de defesa de mestrado do aluno Álvaro Marcelino Nunes, do Programa de Pós-Graduação em Economia. Em sua dissertação, ele discutiu a utilização do Fundo Constitucional de Financiamento do Norte (FNO) e algumas de suas implicações para o meio ambiente.
O gráfico mais impactante do trabalho, apresentado a seguir, evidencia a elevada proporção de recursos do fundo destinada ao setor agropecuário.
O gráfico mostra as linhas de financiamento mais contratadas em 2019 no âmbito do FNO, com base nos dados do BASA (2020). Os valores estão expressos em milhões de reais, e cada barra representa o montante destinado a uma determinada categoria, além de sua participação percentual no total de financiamentos concedidos naquele ano.

A categoria com maior volume de recursos foi Apoio à Agropecuária, com R$ 3.679,1 milhões, representando 48% do total contratado. Esse dado revela a centralidade do setor agropecuário na política de financiamento do FNO em 2019, possivelmente refletindo a forte presença dessa atividade na região Norte e sua importância para a geração de renda e exportações.
Na sequência, destacam-se as categorias Comércio e Serviço, com R$ 1.594,4 milhões (20,8%), e Infraestrutura, com R$ 1.528,0 milhões (19,9%). Ambas representam parcelas significativas dos recursos, sugerindo uma estratégia de diversificação na atuação do fundo, voltada também a setores que impulsionam o desenvolvimento urbano e regional — seja por meio da oferta de bens e serviços, seja por investimentos em obras e sistemas essenciais.
Em contrapartida, os setores Indústria e Agricultura Familiar receberam os menores volumes de financiamento: R$ 335,2 milhões (4,4%) e R$ 309,6 milhões (4%), respectivamente. Esses números podem refletir dificuldades específicas de acesso ao crédito, menor capacidade de investimento ou prioridades distintas na alocação de recursos. A baixa participação da agricultura familiar, em especial, chama atenção diante de seu potencial social e ambiental na região.
O objetivo do fundo, ao menos em tese, deveria ser fomentar o desenvolvimento sustentável e a bioeconomia. No entanto, uma parcela considerável dos recursos tem sido destinada à agropecuária. Isso levanta a seguinte questão: quais fatores explicam essa distribuição do FNO?
Penso em três hipóteses que podem contribuir para esse resultado. A primeira está relacionada à legislação imposta pelo Banco Central; a segunda, ao comportamento técnico dos agentes do BASA; e a terceira, à possível captura política do fundo pelo setor agropecuário.
No que diz respeito à primeira hipótese, o Banco Central, ao seguir os Acordos de Basileia, impõe restrições, controles e mecanismos de fiscalização que, de certa forma, podem favorecer o financiamento ao setor agropecuário, em detrimento de outros setores mais dispersos ou considerados de maior risco.
A segunda hipótese se refere a um fator comportamental. Para os técnicos do banco, pode ser menos custoso, do ponto de vista transacional, emprestar R$ 1 milhão para um único fazendeiro do que dividir esse montante em R$ 100 mil para dez agricultores familiares.
Já a terceira hipótese aponta para a possibilidade de captura institucional do fundo por parte do setor agropecuário. Sua influência política poderia ser suficiente para direcionar os recursos públicos prioritariamente a seus interesses, ampliando seu acesso ao crédito.
Particularmente, considero as duas primeiras hipóteses mais plausíveis. No entanto, é fundamental que estudos mais aprofundados sejam realizados para compreender melhor a dinâmica de distribuição dos recursos do FNO.
Os dados apresentados revelam que a maior parte dos recursos do FNO em 2019 foi direcionada ao setor agropecuário, o que levanta questionamentos sobre a efetividade do fundo em promover um desenvolvimento regional sustentável e equilibrado. Embora o setor agropecuário tenha importância econômica na região Norte, a baixa participação de áreas como a agricultura familiar e a indústria sugere a existência de barreiras estruturais ou institucionais no acesso ao crédito. As hipóteses levantadas — relacionadas à legislação bancária, à racionalidade técnica dos agentes de crédito e à influência política do setor agropecuário — apontam para a necessidade de estudos mais aprofundados que examinem a governança e os critérios de alocação dos recursos do FNO. Compreender essas dinâmicas é essencial para que o fundo possa cumprir seu papel de instrumento de fomento a uma economia mais inclusiva e ambientalmente responsável.