Por Andressa Lima (Universidade Federal do Pará)
O Centro de Financiamento Climático para o Sul Global (CFC-GS) se dedica à pesquisa e análise sobre o financiamento climático global, monitorando se os países estão cumprindo os compromissos assumidos nas Conferências das Partes (COPs) da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC, na sigla em inglês). Criada em 1992 durante a Cúpula da Terra no Rio de Janeiro, a UNFCCC é o principal tratado internacional voltado para a resposta global às mudanças climáticas, estabelecendo diretrizes para a redução das emissões de gases de efeito estufa e o financiamento de ações climáticas, especialmente em países em desenvolvimento.
Para cumprir sua missão, o CFC-GS coleta, sistematiza e analisa dados de fontes como a UNFCCC, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OECD, na sigla em inglês) e outros organismos internacionais, avaliando fluxos financeiros, mecanismos de financiamento e a implementação de políticas climáticas. Além disso, o centro busca acompanhar como esses recursos estão sendo distribuídos entre países desenvolvidos e em desenvolvimento, analisando lacunas no financiamento climático e a eficácia das estratégias utilizadas para mobilizar capital para adaptação e mitigação climática.
O relatório da OECD1 sobre o financiamento climático de 2013 a 2022 evidencia avanços significativos, mas também desafios persistentes na mobilização e distribuição de recursos. Em 2022, os países desenvolvidos finalmente atingiram a meta de USD 100 bilhões anuais, mobilizando um total de USD 115,9 bilhões para ação climática nos países em desenvolvimento. Esse marco foi alcançado dois anos após o prazo inicialmente estabelecido para 2020 e antes do previsto em projeções anteriores da OECD, que estimavam que a meta só seria cumprida em 2025. Apesar do avanço na mobilização de recursos, o relatório destaca desafios persistentes, como a falta de transparência na alocação dos fundos e a desigualdade na distribuição, que desfavorece os países mais vulneráveis ( que continuam recebendo uma parcela menor do financiamento climático), mesmo sendo os mais afetados pelas mudanças climáticas.
O relatório aponta que a maior parte do financiamento público disponibilizado pelos países desenvolvidos foi concedida na forma de empréstimos (69%), enquanto as subvenções (grants) representaram apenas 28% do total. Embora os Países de Baixa Renda (LICs) tenham recebido uma proporção maior de subvenções do que os países de renda média, o volume total de financiamento destinado a eles continua relativamente baixo, representando apenas 10% do total mobilizado em 2022. Além disso, o financiamento climático global continua sendo dominado por empréstimos, o que pode restringir a capacidade de investimento dos países em desenvolvimento, principalmente os mais endividados, tornando o acesso a recursos não reembolsáveis ainda mais necessário para garantir uma transição sustentável. Apesar disso, os recursos destinados à adaptação climática cresceram substancialmente, passando de USD 10,1 bilhões em 2016 para USD 32,4 bilhões em 2022. Ainda assim, esses valores permanecem abaixo do necessário para cumprir a meta estabelecida na COP26 em Glasgow (2021) de dobrar o financiamento para adaptação até 2025, tomando 2019 como referência.
Além do crescimento do financiamento público, o relatório aponta um avanço na mobilização de recursos privados, que aumentaram 52% entre 2021 e 2022, atingindo USD 21,9 bilhões. A maior parte desse capital privado foi direcionada para o setor de energia, enquanto os Pequenos Estados Insulares em Desenvolvimento (SIDS) e os países de baixa renda enfrentaram maiores dificuldades para atrair investimentos privados, devido a desafios estruturais e riscos financeiros. O relatório também ressalta o papel fundamental dos Bancos Multilaterais de Desenvolvimento (BMDs), que se tornaram os principais provedores de financiamento climático, ampliando significativamente suas contribuições na última década e colaborando para a diversificação dos fluxos financeiros internacionais. De acordo com os dados do relatório, o financiamento multilateral atribuído a países desenvolvidos cresceu de USD 15,7 bilhões em 2016 para USD 46,9 bilhões em 2022, representando um aumento substancial impulsionado principalmente pelas operações dos Bancos Multilaterais de Desenvolvimento. Esse crescimento reflete a expansão das atividades dessas instituições, consolidando seu papel como atores essenciais na mobilização de recursos para mitigação e adaptação climática.
Diante desse cenário, é essencial garantir que os países em desenvolvimento tenham acesso a financiamento climático de maneira mais justa e estável. Isso exige um aumento do financiamento não reembolsável para os países mais vulneráveis, maior diversificação das fontes de financiamento e mecanismos mais transparentes para rastrear os fluxos de recursos multilaterais. Essas medidas são fundamentais para que os compromissos assumidos sejam cumpridos no âmbito da UNFCCC e para fortalecer a resiliência climática global.
No futuro, o CFC-GS pretende desenvolver ferramentas e metodologias próprias, incluindo rastreadores de financiamento climático, que permitirão monitorar os compromissos assumidos e sua execução prática, comparando os recursos mobilizados com os impactos esperados. Com isso, o centro buscará não apenas analisar padrões de fluxo e desafios na alocação de recursos para o financiamento climático, mas também mapear oportunidades e obstáculos específicos enfrentados pelos países do Sul Global. Dessa forma, poderá fornecer informações estratégicas e recomendações baseadas em evidências para que governos, instituições e a sociedade civil possam aprimorar suas estratégias de captação e uso de recursos climáticos, contribuindo para uma maior transparência e efetividade dos fluxos financeiros destinados à ação climática.
- ORGANIZAÇÃO PARA A COOPERAÇÃO E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO (OECD). Climate finance provided and mobilised by developed countries in 2013-2022. OECD Publishing, 2024. Disponível em: https://doi.org/10.1787/19150727-en. Acesso em: 25 fev. 2024. ↩︎ ↩︎