FNO na Amazônia: Por que o Fundo que Promete Desenvolvimento Includente e Sustentável Ainda Falha na Missão

Por Álvaro Marcelino (UFPA)

Criado em 1989, o Fundo Constitucional de Financiamento do Norte (FNO) tem como missão constitucional promover o desenvolvimento econômico da região Norte, reduzir desigualdades sociais e respeitar o meio ambiente. No entanto, passadas mais de três décadas desde sua criação, é necessário refletir se o fundo tem, de fato, cumprido essa promessa ou é apenas mais uma retórica que promete muito e entrega quase nada de transformação estrutural da região Amazônica.

Muito dinheiro, pouca diversidade setorial

Entre 2019 e 2022, o FNO movimentou mais de R$ 14 bilhões em financiamentos. Apesar do volume expressivo de recursos, os resultados têm sido desiguais. Em 2019, por exemplo, quase 50% dos recursos foram destinados ao setor agropecuário, enquanto setores como tecnologia, turismo sustentável, economia criativa e agricultura familiar foram deixados à margem das políticas de financiamento. Tal concentração vai na contramão da diretriz estabelecida pela Política Nacional de Desenvolvimento Regional (PNDR), institucionalizada em 2007, que preconiza a diversificação dos investimentos como meio para promover o desenvolvimento equilibrado entre territórios.

Assim, a baixa diversidade setorial do FNO compromete a própria economia amazônica, uma vez que a região tem enfrentado sérias mazelas sociais por estar estruturada em modelos de financiamento regional que carecem de uma democratização efetiva do acesso e que não priorizam os setores econômicos ligados à sociobiodiversidade do bioma amazônico.

O Pará leva quase tudo

A concentração geográfica dos recursos também é motivo de preocupação. O Estado do Pará tem sido historicamente o maior beneficiário dos financiamentos do FNO, recebendo, em alguns anos, mais da metade dos recursos totais. Enquanto isso, estados vizinhos como Acre, Roraima e Amapá enfrentam dificuldades crônicas para acessar o fundo. Essa assimetria revela um processo decisório marcado por lobbies, baixa transparência, centralização e escassa participação de comunidades locais e administrações municipais.

Diante disso, o FNO não tem sido aplicado de forma coerente com os princípios econômicos da Política Nacional de Desenvolvimento Regional (PNDR). A concentração dos recursos desse crédito público reflete mais o alinhamento do fundo aos regramentos financeiros do Sistema Financeiro Nacional do que às reais necessidades da economia regional — ou seja, das forças produtivas locais. Essa concentração revela que a lógica bancária pautada no dilema “risco versus retorno” tem prevalecido institucionalmente sobre o enfrentamento da pobreza, do desemprego estrutural e da desesperança que ainda marcam os rincões da Amazônia.

E a agricultura familiar?

Outro ponto crítico é o tratamento dado à agricultura familiar. Entre 2007 e 2014, houve um crescimento significativo nos recursos destinados a esse segmento, refletindo um esforço de inclusão produtiva. Porém, a partir de 2015, essa tendência se inverteu. A queda no volume de crédito foi acentuada por mudanças na política econômica, restrições fiscais e a redução da prioridade política atribuída ao setor.

Além disso, a modernização impulsionada pelos financiamentos beneficiou sobretudo atividades de maior escala, como a soja e a pecuária, enquanto pequenos produtores enfrentaram dificuldades para acessar crédito e tecnologia. Isso é particularmente grave na Amazônia, onde a agricultura familiar desempenha papel estratégico na geração de renda local e na conservação ambiental.

Um fundo centralizado, pouco participativo

Além disso, o modelo de gestão do FNO permanece excessivamente centralizado. Os principais programas, como o “FNO – Amazônia Empresarial” e o “FNO – Amazônia Rural”, seguem beneficiando grandes empreendimentos. Enquanto isso, iniciativas com foco em sustentabilidade e inclusão social têm desempenho marginal. Em 2023, por exemplo, o programa “FNO – ABC/Biodiversidade” não teve qualquer desembolso, e, em exercícios anteriores, recebeu apenas R$ 8,74 milhões, o que corresponde a 0,38% dos recursos. Já o “FNO – Amazônia Sustentável”, apesar de seu alinhamento com a agenda ambiental, teve desembolsos de apenas R$ 200,21 milhões, representando 8,77% dos recursos de operações anteriores, e também nenhum valor em 2023. Esses números revelam a baixa prioridade dada a projetos que poderiam transformar positivamente a região amazônica.

Outro fator alarmante é o financiamento contínuo de atividades de infraestrutura e agropecuária intensiva sem a devida avaliação de impacto ambiental. A expansão da pecuária e da agricultura extensiva, frequentemente apoiadas pelo fundo, está entre as principais causas do desmatamento. Ao negligenciar práticas sustentáveis e não fomentar alternativas baseadas na economia verde, o FNO contribui para um ciclo de degradação ambiental e exclusão social. A centralização das decisões, sem considerar o conhecimento tradicional das populações locais, impede que o fundo se torne um verdadeiro vetor de desenvolvimento justo, equilibrado e adaptado às especificidades amazônicas.

O caminho pode ser outro

No entanto, há um caminho alternativo possível. Pesquisas recentes mostram que o Fundo Constitucional de Financiamento do Norte (FNO) pode gerar impactos positivos, desde que seus recursos sejam aplicados de forma mais estratégica. Projetos sustentáveis, planejados com base nas especificidades territoriais da Amazônia, têm potencial para melhorar indicadores sociais e ambientais. Uma análise estatística identificou que dois componentes principais da PCA explicam 86,11% da variância dos dados do FNO, o que sugere que desenvolvimento socioeconômico e sustentabilidade ambiental não são objetivos opostos — ao contrário, podem ser compatíveis quando integrados a uma estratégia bem estruturada.

Os anos de 2012 e 2013, por exemplo, apresentaram melhores resultados devido a uma maior articulação institucional e ao aumento dos investimentos. Por outro lado, os anos de 2007 e 2016, marcados por baixos desempenhos e altos índices de desmatamento, evidenciaram as fragilidades do modelo então adotado.

Conclusão: o FNO precisa se reinventar

Conclui-se, portanto, que o FNO precisa se reinventar. Trata-se de um instrumento com alto potencial transformador, mas que vem sendo subutilizado e mal orientado. Para cumprir plenamente seu papel de agente do desenvolvimento sustentável na região Norte, o fundo exige uma nova lógica de funcionamento: mais descentralização, maior participação social, valorização da agricultura familiar e, sobretudo, um compromisso real com o equilíbrio entre crescimento econômico e proteção ambiental.

A Amazônia não pode mais esperar. A floresta e seus povos clamam por políticas públicas que dialoguem com suas realidades e necessidades. E esse novo caminho começa pela maneira como decidimos financiar o futuro.

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