O Fundo Amazônia e o financiamento climático no Brasil: avanços, desafios e perspectivas

Por Andressa Lima (UFPA)

O Brasil ocupa um lugar estratégico no debate global sobre o enfrentamento da crise climática. Com a maior parte da Floresta Amazônica em seu território, o país é protagonista tanto pelas oportunidades de mitigação via conservação florestal quanto pelos desafios estruturais relacionados ao uso da terra, à desigualdade e ao desenvolvimento sustentável. Nesse contexto, o Fundo Amazônia surge como uma das iniciativas mais robustas e simbólicas de financiamento climático já operadas em nível nacional, sendo referência para outros países em desenvolvimento.

Criado em 2008, o Fundo Amazônia tem como finalidade captar doações para investimentos não reembolsáveis em ações de prevenção, monitoramento e combate ao desmatamento, além da promoção da conservação e do uso sustentável das florestas amazônicas. Ele é gerido pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), com recursos provenientes principalmente do governo da Noruega e, em menor escala, da Alemanha. A governança do fundo, ao longo dos anos, foi marcada pela ampla participação social, envolvendo representantes da sociedade civil, governos estaduais e federal.

Apesar de seu histórico de efetividade e transparência, o Fundo Amazônia foi paralisado entre 2019 e 2023 devido a conflitos políticos e mudanças na orientação do governo federal, que questionou sua estrutura de governança e levou à suspensão de repasses por parte de seus principais doadores, Noruega e Alemanha. Isso resultou no congelamento de cerca de R$ 2,9 bilhões em recursos já disponíveis. O impacto dessa paralisação é visível na queda abrupta dos aportes durante o período, conforme ilustrado no Gráfico 1. Com a mudança de governo em 2023 e o retorno do Brasil a uma diplomacia climática mais engajada, o fundo foi reativado com ampla aprovação internacional, restabelecendo sua governança participativa e retomando projetos estratégicos. A resposta dos doadores foi imediata, com a revalidação de aportes e o reconhecimento do fundo como um modelo de mecanismo climático eficaz, transparente e ancorado em participação social e territorial.

Gráfico 1: Evolução do financiamento aprovado pelo Fundo Amazônia (2010–2025)

Fonte: Elaboração própria a partir dos dados do Tracker de Financiamento Climático do CFC-GS (2025).

O grafico 1 ilustra com clareza a evolução dos valores aprovados pelo Fundo Amazônia entre 2010 e 2025. Observa-se um ciclo consistente de aportes ao longo da década de 2010, interrompido abruptamente a partir de 2019, refletindo a paralisação institucional do fundo. O gráfico destaca o impacto dessa interrupção, evidenciado pela ausência de novos recursos aprovados durante quatro anos consecutivos. A retomada ocorre de forma expressiva em 2023 e, sobretudo, em 2024, quando os valores aprovados alcançam o maior patamar da série histórica. Essa tendência de alta sinaliza não apenas a retomada operacional do fundo, mas também a recuperação do protagonismo do Brasil nas articulações internacionais de financiamento climático.

Segundo os dados mais recentes obtidos no Tracker de financiamento climático do CFC-GS, o Fundo Amazônia já apoiou 118 projetos distintos no Brasil, totalizando aproximadamente US$ 903,5 milhões em recursos aprovados. Desses, cerca de US$ 629,9 milhões já foram efetivamente desembolsados, o que corresponde a uma taxa de execução de aproximadamente 70%. Esse desempenho se destaca positivamente quando comparado a outros mecanismos internacionais de financiamento climático, que muitas vezes enfrentam dificuldades para transformar recursos prometidos em investimentos concretos nos territórios. Esse padrão de desempenho também pode ser observado nos principais projetos financiados, conforme mostrado no Gráfico 2.

Gráfico 2: Top 10 projetos do Fundo Amazônia por valor aprovado e desembolsado

Fonte: Elaboração própria a partir dos dados do Tracker de Financiamento Climático do CFC-GS (2025).

O Gráfico 2 apresenta os dez maiores projetos apoiados pelo Fundo Amazônia, classificados pelo valor total aprovado. Em sua maioria, os projetos já apresentam montantes significativos desembolsados, refletindo uma boa taxa de execução financeira. No entanto, quatro projetos se destacam por ainda não apresentarem registros de desembolso até o momento: “Restaurar Amazônia MR1”, “Restaurar Amazônia MR2”, “Restaurar Amazônia MR3” e “Planos AMAS – Segurança e Soberania na Amazônia”, todos aprovados em 2024, com prazos de execução que se estendem até 2030.

A ausência de desembolso nesses casos está associada ao tempo necessário para a fase inicial dos projetos, que envolve planejamento técnico, contratação de equipes, firmamento de convênios e cumprimento de condicionalidades operacionais estabelecidas pelo BNDES. Portanto, essa defasagem não indica ineficiência, mas sim o estágio embrionário dos projetos no ciclo de implementação. A visualização comparativa entre valores aprovados e desembolsados também evidencia a robustez de iniciativas como os programas PROFISC1 – Programa de Consolidação do SUS e Programa Municípios Verdes, cujos desembolsos já se aproximam dos valores totais aprovados, sinalizando eficiência institucional e maturidade na execução.

Os dados também demonstram a abrangência temática e territorial das ações apoiadas: os projetos abrangem desde conservação florestal e manejo sustentável até educação ambiental, cadeias produtivas da sociobiodiversidade e fortalecimento institucional. Outra característica importante é que todos os financiamentos foram realizados por meio de doações não reembolsáveis (grants), o que reforça o reconhecimento internacional de que a conservação das florestas tropicais é um bem público global e, portanto, deve ser apoiada por mecanismos de solidariedade climática internacional. A consistência desses investimentos ao longo do tempo demonstra a capacidade do Brasil em implementar com eficiência recursos externos voltados à agenda climática, especialmente quando há governança transparente e participação social ativa. Assim, o Fundo Amazônia não apenas demonstra a viabilidade de uma política climática eficaz no Sul Global, como também serve de base para o desenho de mecanismos similares em países com realidades ambientais e sociais comparáveis.

Do ponto de vista do impacto, os projetos apoiados pelo Fundo Amazônia oferecem lições valiosas para o desenho de políticas climáticas eficazes. Em primeiro lugar, demonstram que é possível articular de forma colaborativa e horizontal uma ampla diversidade de atores — como comunidades ribeirinhas, pescadores artesanais e produtores extrativistas — com agentes públicos e instituições financeiras. Em segundo lugar, atestam que o Brasil dispõe de capacidade institucional instalada para executar recursos internacionais de forma transparente, eficiente e com resultados mensuráveis. Em terceiro lugar, evidenciam que experiências territoriais bem-sucedidas, apoiadas por mecanismos de governança participativa, podem ser replicadas em outras regiões do país e da Pan-Amazônia.

Contudo, o cenário também exige reflexão. Apesar dos avanços, o financiamento climático no Brasil ainda se concentra fortemente na Amazônia e na mitigação, deixando em segundo plano ações voltadas à adaptação climática — aspecto crucial em um país com elevada vulnerabilidade hídrica, urbana e social. Soma-se a isso uma baixa participação de governos subnacionais (estaduais e municipais) na liderança de projetos, o que limita o alcance e a capilaridade de mecanismos como o Fundo Amazônia, especialmente em territórios fora do eixo amazônico. Ampliar a diversidade temática e federativa das iniciativas é essencial para tornar o financiamento climático mais justo e abrangente. Essas constatações reforçam a importância de iniciativas que sistematizem e ampliem a inteligência sobre o uso de recursos climáticos no Brasil.

Diante disso, o Fundo Amazônia não apenas consolida sua posição como um dos mecanismos mais efetivos de financiamento climático no Sul Global, como também aponta caminhos para o fortalecimento de uma agenda climática baseada em justiça territorial, equidade e solidariedade internacional. Nesse esforço, o Centro de Financiamento Climático para o Sul Global (CFC-GS) desempenha um papel estratégico ao produzir evidências qualificadas, monitorar a execução financeira e apoiar a transparência dos fluxos internacionais de recursos. Ao acompanhar e sistematizar os avanços do Fundo Amazônia, o CFC-GS contribui para que o financiamento climático internacional seja cada vez mais direcionado às demandas reais dos territórios e às soluções ancoradas nas realidades locais e no protagonismo comunitário.

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