O Papel do Sistema Financeiro na Destruição Criativa da Transição Climática

Por Fernanda Feil – economista, especialista em finanças sustentáveis e professora colaboradora no Programa de Pós Graduação em Economia da Universidade Federal Fluminense – PPGE/UFF e Carmem Feijó – Professora titular do PPGE/UFF e coordenadora do Grupo de Financeirização e Desenvolvimento – Finde

A transição para uma economia de baixo carbono é uma das tarefas mais desafiadoras que o mundo contemporâneo enfrenta, exigindo um esforço coordenado em escala global e a mobilização de vastos recursos financeiros. De acordo com a Agência Internacional de Energia (AIE, 2023), alcançar esse objetivo demandará um investimento de US$ 900 bilhões até 2030 para a modernização do setor energético, além de US$ 1,7 trilhão por ano em tecnologias de baixo carbono aplicadas ao consumo final. O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, 2022) reforça a magnitude desse desafio, estimando custos anuais entre US$ 1,6 trilhão e US$ 3,8 trilhões até 2050, abrangendo desde mudanças na agricultura até o uso de terra, para que o mundo consiga efetivamente alcançar a neutralidade de carbono.

Esse processo de transição climática pode ser descrito como uma forma de “destruição criativa”, uma vez que envolve transformações disruptivas na tecnologia e na infraestrutura. Alcançar metas climáticas, ambientais e sociais requer não apenas a introdução de novas tecnologias, mas também mudanças estruturais profundas que podem impactar a dinâmica econômica e a estabilidade financeira global. Assim, os ajustes necessários para reconfigurar as economias de forma sustentável trazem implicações diretas para a estabilidade do sistema financeiro. Os desafios que emergem desse processo são inúmeros, e a transição precisa ser rápida o suficiente para evitar perdas econômicas significativas, ao mesmo tempo em que se protege a estabilidade financeira das nações.

O papel do sistema financeiro torna-se central nesse contexto, funcionando como o motor de criação e alocação de recursos essenciais para a transição sustentável. A crise climática exige que o financiamento de longo prazo seja mobilizado para suportar investimentos estruturais que não só combatam os impactos climáticos como também incentivem a inovação tecnológica. No entanto, o sistema financeiro atual, muitas vezes orientado para a extração de renda de curto prazo, apresenta características incompatíveis com os investimentos necessários, que são de alta incerteza, alto custo e longo prazo. Esse fenômeno, conhecido como financeirização, é um obstáculo que deve ser superado por meio de reformas financeiras que promovam a integração da sustentabilidade ambiental e social. Tais reformas visam criar um ambiente favorável à transição justa e necessária para alcançar a emissão líquida zero de gases de efeito estufa (GEE).

Nesse cenário, as finanças sustentáveis emergem como uma solução crítica. Um sistema financeiro sustentável é aquele capaz de (re)configurar a riqueza real, realizando transações de ativos que atendam às necessidades de longo prazo de uma economia inclusiva e resiliente. Esse tipo de sistema busca alinhar suas operações com os objetivos de desenvolvimento sustentável, promovendo a integridade, a transparência e o compromisso com o bem-estar coletivo. As finanças sustentáveis, portanto, não se concentram apenas na geração de retornos econômicos, mas também na promoção da sustentabilidade, reconhecendo que o retorno financeiro não pode ser dissociado do impacto ambiental e social.

Para que as finanças sustentáveis se desenvolvam de maneira efetiva, a criação de uma taxonomia específica se torna fundamental. Uma taxonomia para finanças sustentáveis oferece um sistema de classificação que identifica atividades, ativos e projetos que contribuem para metas ambientais e sociais com base em critérios claros e mensuráveis. Essa padronização ajuda a direcionar os fluxos de capital para projetos realmente sustentáveis, prevenindo práticas como a lavagem verde e proporcionando uma base sólida para a elaboração de políticas públicas alinhadas com os compromissos climáticos. Durante a Cop 29, em Baku, o Brasil lançara sua própria taxonomia, destacando a importância de mobilizar e redirecionar investimentos para atividades que tenham impactos positivos no clima e na sociedade. Os objetivos estratégicos incluem promover o adensamento tecnológico sustentável, aumentar a competitividade da economia e assegurar a produção de informações financeiras confiáveis para a tomada de decisões a longo prazo.

O alinhamento entre o sistema financeiro e os compromissos climáticos não é apenas desejável, mas essencial. A integração das finanças sustentáveis com uma taxonomia robusta cria as bases para uma economia que equilibre crescimento econômico com a proteção ambiental, garantindo um futuro mais resiliente e inclusivo. Dessa forma, a transição verde sustentável não é somente uma questão de responsabilidade ambiental, mas também um imperativo econômico e social que requer colaboração global e investimentos estratégicos.

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