O Papel dos Fundos Multilaterais no Financiamento Climático

Por Andressa Lima (UFPA)

Nos últimos anos, a crise climática tem se consolidado como uma das maiores ameaças ao desenvolvimento sustentável global. Nesse contexto, o financiamento climático tornou-se um instrumento essencial para viabilizar a transição para economias de baixo carbono, ampliar a resiliência ambiental e apoiar medidas de adaptação aos impactos já observados. Desde o Acordo de Paris, em 2015, esse mecanismo passou a ocupar posição central na arquitetura da cooperação internacional para o clima. Nesse cenário, os fundosmultilaterais desempenham um papel estratégico ao canalizar recursos de países desenvolvidos para nações em desenvolvimento, viabilizando ações concretas de mitigação e adaptação. Mais do que preencher lacunas orçamentárias, esses mecanismos têm favorecido a mobilização de capital privado, o fortalecimento institucional e contribuem para a promoção da justiça climática.

Além de canais de transferência de recursos, os fundos multilaterais integram a arquitetura financeira global voltada ao enfrentamento da emergência climática. Viabilizam apoio técnico e financeiro essencial à implementação de políticas climáticas e carregam uma dimensão política relevante: representam o reconhecimento, por parte dos países historicamente mais emissores, de sua responsabilidade comum, porém diferenciada, conforme estabelecido pela Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC).

Esses fundos são mecanismos financeiros instituídos por acordos internacionais e geridos por entidades globais, como o Banco Mundial, o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), o Fundo Verde para o Clima (Green Climate Fund – GCF) e o Global Environment Facility (GEF). Atuam como ponte entre os países desenvolvidos — historicamente mais responsáveis pelas emissões — e os países em desenvolvimento, que frequentemente enfrentam limitações técnicas e financeiras para lidar com os efeitos das mudanças climáticas.

Um dos principais objetivos desses fundos é facilitar o acesso a recursos em condições favoráveis, como taxas de juros reduzidas, financiamentos reembolsáveis ou subsídios, promovendo investimentos em energia renovável, conservação florestal, agricultura sustentável, transporte limpo e infraestrutura resiliente. Além disso, contribuem para catalisar financiamentos adicionais do setor privado, ampliando o alcance e o impacto das iniciativas climáticas globais.

De acordo com o relatório The Global Climate Finance Architecture (2025), elaborado pelo Climate Funds Update, foi estabelecida durante a COP29 a meta de triplicar os desembolsos anuais dos fundos multilaterais vinculados à UNFCCC até 2030, com base nos níveis de 2022, quando foram mobilizados cerca de US$ 1,87 bilhão. Esse aumento na escala de financiamento é visto como crucial para acelerar a ação climática em escala global.

O Fundo Verde para o Clima (GCF), maior fundo multilateral sob o Mecanismo Financeiro da UNFCCC, já aprovou 286 projetos ativos, com US$ 15,9 bilhões em compromissos financeiros até dezembro de 2024. Além disso, o Fundo de Adaptação (AF) teve garantido, desde a COP26 em Glasgow, 5% das receitas provenientes do novo mecanismo de mercado regulado pelo Artigo 6.4 do Acordo de Paris, reforçando sua importância como fonte de financiamento direto para adaptação em países em desenvolvimento.

A decisão da COP29, inserida no Novo Objetivo Coletivo Quantificado (NCQG) – que prevê ao menos US$ 300 bilhões anuais em financiamento para países em desenvolvimento até 2035, com uma meta ampliada de US$ 1,3 trilhão/ano em fontes públicas e privadas – enfatizou a necessidade de fortalecer o acesso direto aos recursos, simplificar os processos de aprovação e desembolso e expandir o uso de instrumentos financeiros não onerosos, especialmente para os países mais vulneráveis. Reconheceu-se, assim, o papel estratégico dos fundos multilaterais na promoção de uma transição climática justa, equitativa e efetivamente inclusiva.

Embora essenciais, esses fundos enfrentam desafios relacionados à previsibilidade dos fluxos financeiros, à burocracia de acesso e à dependência de contribuições voluntárias, o que pode dificultar o apoio contínuo aos países mais afetados. Assim, seu fortalecimento e ampliação são fundamentais para cumprir os compromissos globais e construir um futuro mais sustentável e justo para todos.

Para melhor compreender a dinâmica do financiamento climático multilateral ao longo do tempo, o gráfico 1 a seguir apresenta os volumes totais de financiamento aprovados por ano, destacando a evolução desde 2010 até 2023.

Gráfico 1: Volume Total de Financiamento Climático por Ano (Fundos Multilaterais)

Como se observa no Gráfico 1, o volume de financiamento climático aprovado pelos fundos multilaterais cresceu de maneira consistente desde 2010. Nos primeiros anos da série, os valores anuais se mantiveram abaixo de US$ 2 bilhões, com US$ 1,09 bilhão em 2010 e US$ 1,42 bilhão em 2012. A partir de 2016, o volume anual ultrapassou os US$ 2,4 bilhões, chegando a US$ 3,22 bilhões em 2018 e atingindo o pico em 2021, com US$ 4,19 bilhões aprovados. Esse crescimento reflete esforços globais para aumentar o financiamento climático em resposta aos compromissos assumidos no Acordo de Paris. No entanto, os valores têm oscilado nos anos seguintes: após uma queda para US$ 2,22 bilhões em 2022, houve uma recuperação em 2023 (US$ 2,9 bilhões) e 2024 (US$ 3,41 bilhões). Essa flutuação recente sugere a existência de desafios contínuos na mobilização e aprovação estável de recursos climáticos em escala global.

Além da evolução temporal do financiamento climático multilateral, é importante analisar o desempenho financeiro específico de cada um dos principais fundos envolvidos. O gráfico 2 a seguir apresenta o desempenho financeiro dos maiores fundos multilaterais climáticos, destacando tanto o valor aprovado quanto o desembolsado até o momento.

Gráfico 2: Desempenho Financeiro dos Maiores Fundos Multilaterais Climáticos

O Gráfico 2 evidencia um descompasso significativo entre os valores aprovados e os efetivamente desembolsados pelos principais fundos multilaterais climáticos, revelando desafios persistentes na execução financeira. O Fundo Verde para o Clima (GCF-1) lidera em volume aprovado, com US$ 8,7 bilhões, mas desembolsou apenas US$ 1,97 bilhão, refletindo uma taxa de execução inferior a 23%. Esse padrão se repete em outros grandes mecanismos, como o Fundo de Tecnologias Limpas (CTF), que aprovou US$ 5,78 bilhões, mas desembolsou apenas US$ 2,19 bilhões, e o GCF-IRM, com US$ 5,14 bilhões aprovados e US$ 3,52 bilhões desembolsados. Já o GCF-2, apesar de ter mais de US$ 2,6 bilhões aprovados, liberou apenas US$ 59 milhões, revelando um atraso ainda mais acentuado.

Por outro lado, fundos menores como o Fundo de Adaptação (AF) e o Fundo para os Países Menos Desenvolvidos (LDCF) apresentam melhor desempenho relativo, com desembolsos de US$ 756 milhões e US$ 548 milhões, respectivamente, sobre um volume aprovado de US$ 1,21 bilhão e US$ 1,5 bilhão. A GEF-4, por sua vez, é o único entre os 10 maiores a ter executado integralmente os valores aprovados (US$ 931 milhões). Essa diferença evidencia que, embora os grandes fundos concentrem a maior parte dos recursos autorizados, são os menores que vêm se destacando pela maior eficiência operacional, conseguindo superar com mais agilidade os entraves burocráticos e garantir a entrega efetiva dos recursos.

A disparidade entre aprovação e execução de recursos climáticos reflete entraves burocráticos, dificuldades de acesso e limitações institucionais nos países beneficiários, especialmente em contextos com infraestrutura frágil. Obstáculos como a elaboração de propostas técnicas adequadas, falta de expertise local e gargalos na coordenação entre atores são fatores que contribuem para essa lacuna. Esses desafios reforçam a necessidade de reformas na arquitetura de financiamento climático para garantir maior eficiência. As recomendações da COP29, que buscam simplificar processos e fortalecer o acesso direto aos recursos, representam avanços importantes, mas sua implementação precisa ser monitorada de perto para avaliar seu impacto real.

Outro aspecto relevante na análise do financiamento climático é a distribuição geográfica dos recursos desembolsados pelos fundos multilaterais. O Gráfico 3 abaixo ilustra essa distribuição, mostrando onde esses recursos têm sido direcionados.

Gráfico 3: Distribuição Geográfica dos Desembolsos de Fundos Multilaterais Climáticos

O Gráfico 3 mostra que os recursos climáticos desembolsados por fundos multilaterais estão fortemente concentrados em regiões com alta vulnerabilidade socioambiental. A África Subsaariana lidera com US$ 4,25 bilhões, o maior volume entre todas as regiões. Em seguida, aparecem a América Latina e Caribe, com US$ 3,39 bilhões, e o Leste Asiático e Pacífico, com US$ 2,60 bilhões, o que confirma a priorização dessas áreas na agenda climática internacional. A categoria “Não aplicável”, que totaliza US$ 1,65 bilhão, refere-se a projetos que não estão vinculados a uma única região geográfica, segundo a classificação do Banco Mundial. Ela abrange iniciativas globais, transversais ou transfronteiriças, como programas de capacitação, apoio institucional ou projetos de alcance mundial.

Regiões como o Sul da Ásia (US$ 1,62 bilhão), Oriente Médio e Norte da África (US$ 1,26 bilhão), Europa e Ásia Central (US$ 1,06 bilhão) e Ásia Ocidental (US$ 100 mil) apresentaram volumes significativamente menores de desembolsos, o que pode refletir tanto decisões estratégicas de alocação quanto limitações institucionais ou de demanda local. A distribuição geográfica dos desembolsos reforça o papel dos fundos multilaterais como instrumentos de justiça climática, mas também evidencia a necessidade de ampliar a cobertura regional de forma mais equitativa e responsiva às diferentes vulnerabilidades.

Após examinar como os recursos climáticos são distribuídos regionalmente, é essencial compreender também sua alocação temática. O Gráfico 4 mostra a divisão dos desembolsos entre os principais eixos de atuação dos fundos multilaterais: mitigação, adaptação e projetos com objetivos múltiplos.

Gráfico 4: Distribuição dos Desembolsos por Foco Temático dos Fundos Multilaterais Climáticos

O gráfico 4 evidencia uma assimetria na alocação temática dos recursos desembolsados pelos fundos multilaterais climáticos, com clara predominância do financiamento voltado à mitigação das mudanças climáticas. Essa categoria recebeu o maior volume de recursos, ultrapassando os US$ 8,7 bilhões, refletindo a prioridade dada a ações de redução de emissões de gases de efeito estufa. Em seguida, aparecem os projetos com foco em adaptação, que somaram cerca de US$ 4,4 bilhões, destinados a enfrentar os impactos climáticos já em curso, especialmente em contextos vulneráveis. Os projetos de múltiplos focos, que integram medidas de mitigação e adaptação, totalizaram aproximadamente US$ 2,6 bilhões, indicando uma tendência relevante, ainda que secundária, por abordagens integradas.

A diferença entre os volumes destinados à mitigação e à adaptação continua expressiva, sobretudo considerando que os países em desenvolvimento — principais beneficiários desses fundos — enfrentam desafios mais urgentes no campo da adaptação. Essa disparidade reforça a necessidade de um reequilíbrio dos fluxos financeiros internacionais para garantir maior justiça climática e responder de forma mais efetiva às vulnerabilidades reais enfrentadas pelas populações mais afetadas.

Em síntese, os fundos multilaterais desempenham um papel estratégico na arquitetura do financiamento climático internacional, não apenas como canais de transferência de recursos, mas como instrumentos de transformação estrutural e justiça climática. A análise dos dados mostra que, apesar dos avanços em termos de volume aprovado e diversidade temática, ainda persistem desafios significativos na execução financeira, na equidade geográfica da distribuição dos recursos e no equilíbrio entre mitigação e adaptação. Para que cumpram plenamente sua função, é necessário fortalecer a governança, agilizar os desembolsos e garantir que os fluxos financeiros estejam alinhados às necessidades reais dos países mais vulneráveis.

Nesse contexto, o momento atual — marcado por um novo ciclo de metas e compromissos no âmbito da COP29 e do Novo Objetivo Coletivo Quantificado — representa uma janela de oportunidade para reformar e ampliar a efetividade desses mecanismos no enfrentamento da crise climática global. A COP30, que será realizada em Belém, no coração da Amazônia, trará o desafio e a responsabilidade de impulsionar avanços em transparência, previsibilidade financeira e direcionamento justo dos recursos, reafirmando o protagonismo dos países em desenvolvimento na agenda climática internacional.

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