Por Douglas Alencar (Universidade Federal do Pará)
As emissões de gases de efeito estufa (GEE) no Brasil possuem características singulares, em grande parte decorrentes da intensa pressão sobre os ecossistemas naturais e da estrutura produtiva nacional. Ao contrário de muitos países desenvolvidos, onde as emissões decorrem predominantemente da queima de combustíveis fósseis, no Brasil, historicamente, a principal fonte está associada à mudança no uso da terra, sobretudo ao desmatamento e à degradação florestal.
Compreender a evolução das emissões brasileiras de CO₂ equivalente (CO₂e) ao longo do tempo é essencial para orientar políticas públicas eficazes de mitigação e adaptação às mudanças climáticas. Além disso, a análise da composição setorial das emissões permite identificar tendências estruturais e avaliar os avanços — ou retrocessos — na transição para uma economia de baixo carbono.
Este estudo utiliza dados do SEEG (Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa) para examinar as trajetórias históricas das emissões por fonte, entre 1990 e 2023. Através de representações gráficas das emissões totais e da participação percentual dos setores, são analisadas as principais dinâmicas que moldam o perfil de emissões do país. O objetivo é identificar padrões persistentes, mudanças estruturais e implicações para a política climática brasileira em um contexto de crescente urgência ambiental.
Figura 1:

A Figura 1 apresenta a evolução das emissões totais de CO₂ equivalente (CO₂e) no Brasil entre 1990 e 2023, desagregadas por fonte, com base nos dados do SEEG (Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa).
A principal responsável pelas emissões no período é a categoria Mudança de Uso da Terra e Floresta, refletindo principalmente o desmatamento. O setor atingiu seu pico em 2004, com emissões superiores a 2 bilhões de toneladas de CO₂e. A partir desse ano, observa-se uma queda acentuada até 2012, seguida de oscilações e uma nova tendência de alta a partir de 2014, com forte variação anual.
A Agropecuária, segunda maior fonte de emissões, apresenta uma trajetória de crescimento gradual e consistente ao longo do período, passando de aproximadamente 400 milhões para mais de 600 milhões de toneladas de CO₂e até 2023. Trata-se de uma expansão contínua, sem quedas expressivas.
O setor de Energia também registra crescimento relevante, sobretudo entre 1995 e 2014, período em que a atividade econômica e o consumo energético se intensificaram. Após 2014, nota-se uma estabilização ou leve retração, possivelmente associada à desaceleração econômica e à transição na matriz energética.
As categorias Processos Industriais e Resíduos são responsáveis por um volume significativamente menor de emissões, mantendo-se relativamente estáveis ao longo do tempo. Ainda que apresentem algu0m crescimento, permanecem bem abaixo das demais fontes. As emissões industriais superam as de resíduos, mas ambas têm peso limitado no total nacional.
De modo geral, a trajetória das emissões brasileiras é fortemente condicionada pelo comportamento da categoria “Mudança de Uso da Terra e Floresta”. Embora tenha havido redução nessa fonte após 2004, o avanço contínuo das emissões nos setores de Agropecuária e Energia tem limitado o declínio das emissões totais. O gráfico revela padrões estruturais persistentes, com destaque para a resiliência do setor agropecuário e o papel crescente da energia até meados da última década.
Figura 2:

A Figura 2 apresenta a participação percentual das diferentes fontes de emissão de CO₂ equivalente (CO₂e) no Brasil entre 1990 e 2023, destacando as mudanças na composição relativa das emissões ao longo do tempo, independentemente do volume absoluto.
A Mudança de Uso da Terra e Floresta (verde-água) foi historicamente a principal fonte de emissões, representando cerca de 70% no início da década de 1990. A partir de 2004, sua participação relativa cai de forma expressiva, atingindo aproximadamente 50% por volta de 2012. Embora haja oscilações nos anos mais recentes, observa-se uma tendência geral de queda, refletindo os esforços de combate ao desmatamento — ainda que com retrocessos pontuais.
A Agropecuária (vermelho-claro), segunda maior fonte percentual, apresenta crescimento contínuo ao longo do período, passando de cerca de 20% em 1990 para mais de 30% em 2023. Esse avanço se deve tanto ao aumento absoluto das emissões do setor quanto à redução relativa da contribuição da mudança no uso da terra.
A categoria Energia (amarelo-oliva) ocupa a terceira posição em relevância, com uma trajetória de crescimento percentual consistente, sobretudo após 2010. Sua participação passa de aproximadamente 7% para cerca de 15%, acompanhando a expansão da demanda energética no país.
As Emissões por Processos Industriais (azul-claro) mantêm participação modesta, mas com crescimento perceptível a partir dos anos 2000, estabilizando-se em torno de 5% nos anos mais recentes. Por fim, o setor de Resíduos (lilás) apresenta a menor participação relativa, oscilando entre 2% e 3% ao longo de todo o período. Embora haja uma leve elevação, não se observam mudanças estruturais significativas.
De forma geral, a Figura 2 evidencia uma diversificação das fontes de emissão no Brasil. A perda de hegemonia da categoria “Mudança de Uso da Terra e Floresta” e o ganho de participação de setores como agropecuária, energia e indústria sugerem uma transição na estrutura das emissões nacionais. Este movimento pode ser interpretado como uma descarbonização parcial do uso da terra, acompanhada por uma carbonização crescente dos setores produtivos, o que impõe novos desafios à formulação de políticas climáticas eficazes e integradas.
A análise das emissões brasileiras de CO₂ equivalente entre 1990 e 2023 revela tanto a persistência de padrões históricos quanto sinais de transformação estrutural. A predominância da categoria “Mudança de Uso da Terra e Floresta” destaca o papel central do desmatamento na dinâmica das emissões nacionais. No entanto, embora essa fonte tenha reduzido sua participação relativa ao longo do tempo, permanece como o principal vetor das variações mais bruscas nas emissões totais.
Paralelamente, observa-se o crescimento gradual e consistente das emissões associadas à agropecuária e à energia, refletindo uma mudança no perfil das fontes de poluição. O aumento proporcional desses setores evidencia o avanço de atividades produtivas com maior intensidade de carbono, muitas vezes ligadas ao crescimento econômico e à expansão do agronegócio e da infraestrutura energética.
Nesse contexto, o combate às mudanças climáticas no Brasil requer um redirecionamento das políticas públicas, com ênfase na redução estrutural das emissões nos setores de agropecuária, energia, indústria e resíduos. A trajetória brasileira sugere que não basta conter o desmatamento; é fundamental promover uma transição ecológica nos setores produtivos, com investimentos em tecnologias limpas, mudanças no padrão energético e inovações sustentáveis no campo. Trata-se, portanto, de enfrentar não apenas o passado das emissões brasileiras, mas também os seus novos vetores.