Por Douglas Alencar (UFPA/CFC-GS)
A crise climática global impôs à comunidade internacional a necessidade de estabelecer mecanismos de cooperação financeira capazes de viabilizar tanto a mitigação das emissões de gases de efeito estufa quanto a adaptação aos impactos já observados das mudanças climáticas. Nesse contexto, os acordos firmados no âmbito da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC) e, mais recentemente, do Acordo de Paris, estabelecem que os países desenvolvidos devem mobilizar recursos financeiros para apoiar os países em desenvolvimento na transição para uma economia de baixo carbono e resiliente aos impactos climáticos. Trata-se de um princípio que reconhece as responsabilidades comuns, porém diferenciadas, uma vez que os países desenvolvidos são historicamente os maiores responsáveis pelas emissões acumuladas que causaram a crise climática atual.
Apesar desse reconhecimento formal, os avanços na mobilização de recursos permanecem limitados e insuficientes frente à magnitude dos desafios. O relatório da quinta sessão da Conferência das Partes que atua como reunião das Partes do Acordo de Paris (CMA.5), realizado durante a COP28 em 2023, evidencia que as necessidades globais de financiamento climático são da ordem de USD 5,8 a 5,9 trilhões até 2030. Esse montante é necessário para viabilizar ações de mitigação e adaptação, muito além dos compromissos previamente acordados, como a meta de USD 100 bilhões anuais até 2020 — uma meta que, apesar de modesta diante das demandas atuais, sequer foi integralmente cumprida.
O caso brasileiro reflete de forma emblemática essas dinâmicas e desafios. Embora o Brasil receba apoio financeiro internacional para ações climáticas, os recursos estão fortemente concentrados em poucos doadores, sendo a Noruega, a Alemanha, a França e, em menor escala, os Estados Unidos, os principais responsáveis pelos repasses no período de 2011 a 2023. Ainda assim, os volumes mobilizados estão muito aquém do necessário para enfrentar os desafios associados à preservação de seus biomas, à promoção de uma matriz energética limpa e à construção de uma economia de baixo carbono. Este cenário revela tanto a persistente assimetria no regime internacional de financiamento climático quanto a urgência de fortalecer mecanismos de financiamento previsíveis, suficientes e acessíveis aos países em desenvolvimento, como condição indispensável para o enfrentamento efetivo da crise climática.
Os acordos firmados no âmbito das Conferências das Partes (COPs) da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC) estabelecem, como princípio fundamental, que os países desenvolvidos devem fornecer apoio financeiro aos países em desenvolvimento, destinado tanto à adaptação quanto à mitigação dos efeitos das mudanças climáticas. Esse compromisso decorre do reconhecimento das responsabilidades comuns, porém diferenciadas, refletindo o fato de que os países desenvolvidos historicamente contribuíram mais para a crise climática e, portanto, devem assumir uma parcela maior dos custos da transição global para uma economia de baixo carbono.
Conforme já discutido em textos anteriores, esse tema voltou a ser central no relatório da quinta sessão da Conferência das Partes que atua como reunião das Partes do Acordo de Paris (CMA.5), realizada durante a COP28, nos Emirados Árabes Unidos, entre 30 de novembro e 13 de dezembro de 2023. No ponto da agenda intitulado “Matters relating to the Standing Committee on Finance”, ficou evidente que os fluxos financeiros atualmente mobilizados estão muito aquém do necessário. O próprio relatório destaca que os recursos exigidos para viabilizar a transição global para uma economia de baixo carbono são de uma ordem de grandeza muito superior aos compromissos atualmente assumidos. As estimativas apontam para uma necessidade global da ordem de USD 5,8 a 5,9 trilhões até 2030, englobando tanto ações de mitigação — isto é, redução de emissões — quanto de adaptação, que envolve preparar sociedades e economias para os efeitos já inevitáveis das mudanças climáticas.
Historicamente, os países desenvolvidos se comprometeram, desde a COP15 em Copenhague (2009), a mobilizar conjuntamente ao menos USD 100 bilhões anuais até 2020, destinados a apoiar os países em desenvolvimento. No entanto, esse valor não foi integralmente cumprido nem no prazo estabelecido, nem nos anos subsequentes — em 2021, por exemplo, o montante ficou abaixo da meta. Esse descumprimento não apenas mina a credibilidade dos acordos internacionais, mas também coloca em risco a capacidade dos países em desenvolvimento de implementar suas próprias estratégias de transição e de adaptação, dada a escassez de recursos domésticos para enfrentar desafios tão complexos (https://cfc-gs.com.br/pt/financiamento-climatico-e-a-transicao-para-uma-economia-de-baixo-carbono-o-papel-dos-paises-em-desenvolvimento/).
Além disso, o relatório evidencia que, especificamente para adaptação, os países em desenvolvimento precisarão mobilizar entre USD 215 e 387 bilhões por ano até 2030. Esses recursos são fundamentais para proteger populações vulneráveis contra eventos extremos, como secas, enchentes, ciclones e elevação do nível do mar, que já estão se tornando mais frequentes e intensos.
No campo da mitigação, o desafio é ainda mais colossal. Apenas o financiamento para expansão e consolidação de energias limpas — como solar, eólica, hidrogênio verde e tecnologias de captura de carbono — deverá atingir USD 4,3 trilhões anuais até 2030. E esse valor precisará aumentar para USD 5 trilhões anuais até 2050, se o mundo quiser manter a trajetória que permita atingir a meta de emissões líquidas zero até meados do século, conforme estabelecido pelo Acordo de Paris.
Diante desse panorama, a defasagem histórica no cumprimento da meta dos USD 100 bilhões anuais coloca em xeque a viabilidade de se alcançar os volumes de financiamento climático agora estimados como necessários. Na prática, permanece a ausência de mecanismos robustos, vinculantes e automáticos que garantam que esses recursos sejam, de fato, mobilizados e canalizados de maneira justa e eficiente para os países em desenvolvimento. Isso aprofunda a assimetria existente no regime climático internacional, no qual as maiores responsabilidades históricas não se convertem, na mesma proporção, em compromissos financeiros efetivos.

No que diz respeito aos principais doadores internacionais de financiamento climático para o Brasil, observa-se uma concentração significativa dos recursos em poucos países, embora os montantes ainda estejam muito aquém das necessidades reais para apoiar ações de mitigação e adaptação no país. Entre 2011 e 2023, a Noruega destacou-se como o maior doador individual, respondendo por impressionantes 38% de todos os recursos destinados ao Brasil nesse período. Este aporte está fortemente associado, sobretudo, ao apoio histórico da Noruega a iniciativas de preservação da Amazônia e combate ao desmatamento, que são cruciais tanto para a mitigação quanto para a adaptação às mudanças climáticas.
Na sequência, a Alemanha aparece como o segundo maior doador, com 30% do total dos repasses no período. A contribuição alemã reflete uma política externa robusta no campo ambiental, que prioriza parcerias estratégicas com países que possuem relevância ambiental global, como é o caso do Brasil, especialmente no que se refere à proteção de florestas, desenvolvimento de energia renovável e fortalecimento de políticas de sustentabilidade.
Em terceiro lugar está a França, que corresponde a 23% do total dos recursos destinados ao Brasil entre 2011 e 2023. As contribuições francesas também refletem o compromisso do país com a agenda climática internacional, alinhando cooperação técnica, financiamento de projetos de transição energética e apoio à conservação ambiental.
Os Estados Unidos figuram na quarta posição, com 7% do volume total de recursos destinados ao Brasil no período analisado. Embora seja a maior economia do mundo e um dos principais emissores históricos de gases de efeito estufa, sua participação no financiamento climático brasileiro permanece relativamente modesta, especialmente se comparada à de países europeus e da Noruega.
Por fim, a soma dos repasses de todos os demais países corresponde a apenas 2% do total acumulado entre 2011 e 2023. Esse dado revela não apenas uma forte concentração das doações em um grupo restrito de países, mas também evidencia a insuficiência dos fluxos financeiros internacionais destinados ao Brasil frente à magnitude dos desafios climáticos e ambientais que o país enfrenta.
Diante dos desafios colocados pela crise climática, torna-se evidente que os mecanismos atuais de financiamento internacional são insuficientes para atender às necessidades dos países em desenvolvimento, como o Brasil, na condução de suas estratégias de mitigação e adaptação. A defasagem histórica no cumprimento das metas de financiamento, somada à forte concentração dos repasses em poucos países doadores, evidencia as limitações estruturais do regime internacional de financiamento climático. Superar essas limitações exige não apenas a ampliação dos volumes de recursos, mas também a criação de mecanismos mais robustos, previsíveis e vinculantes, capazes de garantir que os fluxos financeiros necessários sejam efetivamente canalizados para apoiar a transição para uma economia de baixo carbono e resiliente, sobretudo nos países que, apesar de contribuírem pouco para a origem do problema, estão entre os mais vulneráveis aos seus impactos.